sábado, 11 de agosto de 2007

MANOEL RICARDO DE LIMA CONBERSA COM WILSON BUENO EN GERMINA

Um texto que se desvia de si mesmo, um texto que se fabula dando voltas em torno de si e para longe do que poderia ser, nele, qualquer forma possível de repetição. Um texto que é livre, que é todo liberdade. Uma escritura que toda ela é passeio pela imaginação, que é um sacrifício para fazer da linguagem sempre outra coisa, uma surpresa, um híbrido, um múltiplo. Essas coisas parecem dizer do trabalho de um dos escritores mais interessantes deste país, hoje: Wilson Bueno. Nascido em Jaguapitã, morador da bonita e fria Curitiba, Wilson comete travessias desviantes da linguagem em sua literatura.Autor de coisas como Manual de zoofilia, Jardim zoológico e Cachorros do céu, para dizer uma trilogia de bichos, cada livro numa perspectiva diferente a uma idéia de animalidade; desde uma dimensão do erótico — como pulsão — a uma narrativa que nos é sempre um "outro" e também um leitmotiv à sátira, ao riso e ao risco e num traço da ironia sempre sofisticada de Wilson.

E ainda, livros de narrativas insuspeitas, como Meu tio Roseno, a cavalo, uma importância fabular de uma aventura quixotesca às avessas: um cavaleiro, um território inóspito, uma viagem sem volta, uma dor sem fim entre céus e um amor em desvario; Cristal, com uma velha cortada ao meio pelo seu olhar; Mar paraguayo, aquela prosa difusa num entre portunhol, guarani, português, um brasiguayo sem limite temporal narrativo; Amar-te a ti nem sei se com carícias, uma ironia refinadíssima ao falar brasileiro dos oitocentos com sua narrativa quase lusa, os medos do século 20, as caricaturas da vida perambulante na capital da república etc.; depois, as delicadezas desenhadas nos tankas de seu livro Pequeno tratado de brinquedos.

Mas é Bolero's Bar, o seu primeiro livro, que foi publicado em 1986 pela Criar Edições que acaba de ser reeditado pela Travessa dos Editores, de Curitiba. São crônicas de uma longa temporada no Rio de Janeiro, nos finais dos anos 1970, começos dos anos 1980, articuladas como princípio de seu trabalho. Paulo Leminski, na apresentação do livro, escreveu sobre o trabalho de Wilson Bueno: "O seu foi sempre um estado limítrofe entre a poesia e a prosa, entre o registro do real e uma alta voltagem metafórica e imagética, de ressonâncias líricas: uma twilight zone. Um texto, um dia eu disse, andrógeno". Agora, nesta edição, este bolero foi dividido em dois, Bolero's Bar e Diário vagau, e colocado numa caixa quase como um mimo de celebração àquele que é o livro de estréia de Wilson Bueno, e que marca o início dessa trajetória singular no panorama da atual literatura brasileira contemporânea: híbrida, múltipla, uma "autonomia". O que segue é uma conversa com Wilson Bueno, feita por e-mail, aproveitando a deixa desta reedição charmosa do que ele mesmo chama de "estréia tardia", agora, nestes idos de 2007. [Manoel Ricardo de Lima]


Manoel Ricardo de Lima – Bolero's Bar é seu livro de estréia, em 1986 (Edições Criar), o que você também já chamou de "estréia tardia". E é um livro de crônicas, com uma interessante apresentação de Paulo Leminski. Agora, você desdobra o livro em dois, Bolero's Bar e Diário vagau, e os publica nesta charmosa caixa pela Travessa dos Editores, de Curitiba. Como você planejou a reedição e o desdobramento deste livro?
Wilson Bueno - Foram anos bem buliçosos aqueles dos meados dos oitenta. À inquietação criativa somava-se uma "experimentação" do corpo e de seus limites — prováveis e improváveis. Vivíamos a nascente democracia brasileira com uma gana e um desejo de provar de um tudo como nunca. Ainda que eu contasse, então, com 38 anos, achava precoce, acredite você, uma estréia literária. Leminski, confesso, forçou a barra e Roberto Gomes (Criar Edições) me instigou com a promessa da publicação dos meus textos da época. Surge aí então Bolero's Bar, que logo ganha duas páginas de domingo no jornal O Estado de S. Paulo, assinadas por ninguém menos do que o escritor João Antônio. Para quem começava, aquilo era a glória. Apoiado por um gozoso adiantamento patrocinado pelo escritor Fábio Campana, dono da Travessa dos Editores, e através de seu incentivo, não só financeiro, como, sobretudo, literário, passei quase seis meses reescrevendo a edição original do velho Bolero's. Também por sugestão de Campana e de Jamil Snege, acatei, não sem entusiasmo, a idéia de desdobrar o livro em dois. Com um fundamental acréscimo — o de reunir ali, em ambos os livros, tudo o que eu havia escrito em termos de prosa curta até aquele momento. Para o Bolero's bar, procurei canalizar as escrituras, digamos, mais ficcionais, deixando para o Diário vagau os registros melhor afins, digamos também, com a realidade. Dois livros, um artefato de papel, um dicionário de virtudes gráficas, em minha opinião. Paulo Sandrini, o designer, deu dignidade e sofisticação a um livro que estava há mais de quinze anos feito um objeto virtual. Existia sem existir, pululando em cópias xerox, de mão em mão, ou pelas internets da vida.

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http://www.germinaliteratura.com.br/pcruzadas_wilsonbueno_jun2007.htm

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